300: o outro lado da história
Capítulo Quatorze
Nos dias que se seguem, Lassir permanece sob vigilância de dois soldados e sob os cuidados apaixonados de Pérola.
- Não estou sentindo-me bem. – Lassir recebe uma cuia com uma bebida quente e finge não perceber a aproximação de Artemis.
- Teremos uma reunião com o senador Theron e gostaríamos que você participasse. – o Capitão mostra-se altivo em sua vestimenta alva.
- Eu nunca gostei desse senador. Ele é um traidor e covarde. Tenha certeza disso.
- Por que diz com essa certeza? – Artemis senta-se no móvel ao lado de Lassir.
- Ele é um deformado espiritual e isso será cobrado dele. Pode apostar... – Lassir inclina-se e geme com dor.
- O que foi?
Lassir apoia a mão na barriga e estende a outra mão para ser segura por Pérola. A serva sorri e beija a mão de “sua rainha”.
- Ela está entrando em trabalho de parto!
Horas mais tarde, a Rainha Gorgo entrega uma taça com vinho ao Capitão. Ele sorri abobalhado.
- Lassir dará à luz com pouco mais de sete meses? Não acha isso estranho?
- Lassir é “um homem-mulher”! Está esperando um filho de Ephialtes! O que pode ser mais estranho?
- Ou o nascimento está adiantado ou Lassir já estava esperando uma criança quando foi raptado. Então, o pai da criança está aqui dentro do palácio.
O Capitão empertiga-se e sente seu sangue ferver.
“Ele é um deformado espiritual e isso será cobrado dele.”
- Theron tocou em Lassir! – o soldado rosna. – Vou enforcá-lo com as próprias vísceras!
O rosto furioso de Gorgo torna-se ainda mais severo. As sobrancelhas quase se unem e ela sente a alma ferver junto com seu sangue.
O maldito teria tocado Lassir também? Não havia bastado a humilhação que ele lhe impingira? Tinha de tocar Lassir e expor o segredo da família aos olhos de quem pudesse ver? Ah, maldito! A morte seria lenta e ele não sentiria prazer! Desgraçado!
Na madrugada daquele mesmo dia, Gorgo recebe a notícia de que Lassir havia dado à luz duas meninas e que uma delas havia nascido com um dos braços atrofiados. A rainha chora. Sabe que os sacerdotes iriam examinar a criança e condená-la ao mesmo destino que tantas outras crianças frágeis. Mas aquela precisava ser poupada por ser filha de quem era!
Mesmo com o corpo debilitado pela força feita, Lassir banha-se e dedica suas ultimas reservas para as meninas. Chora de felicidade, porém, o que estava sentindo muda-se rapidamente para o desespero quando percebe que a criança mais frágil não estava mais respirando.
Os gritos chorosos trazem Artemis para dentro do quarto e ele reconhece exatamente a dor que havia ali dentro.
- Artemis, eu lhe imploro! Ajude minha filha! – Lassir estende a criança para o Capitão e ele apenas observa o bebe imóvel. – Você tem o poder de um rei! Eu suplico para que use esse poder e ajude minha filha!
- Não tenho o poder de um dos deuses...
Lassir chora ainda mais e envolve a criança contra o peito. Pérola a conduz para a cama e com cuidado a acomoda ali. Organizaria alguns tecidos e incensos para perfumar o corpo da criança antes do enterro.
Artemis não consegue conter o choro ao sentir novamente a dor que sentira quando o filho havia sido morto em batalha. Sai do quarto.
Horas mais tardes, Lassir resmunga alguma cantiga de ninar enquanto limpava o corpinho do bebê. Toca com carinho o toco onde estaria um braço. Deita a criança de bruços e passa o tecido úmido nas costas dela e para seu sobressalto, a criança soluça.
- Pérola! Venha depressa!
A persa é tomada de assalto quando vê o bebê movendo-se. Sorri.
- Ela está viva!
Lassir gargalha e abraça a menina. Senta-se na cama e a aperta contra o peito.
- A menina vive? – a voz grossa de Artemis chama a atenção para sua chegada.
- Não! – grita Lassir, mas devido à perda de sangue e esforço físico não consegue lutar contra o soldado que arranca a menina de seus braços.
Ouvindo gritos, urros suplicantes e blasfêmias, Artemis sai do quarto carregando o bebê que seria outro trunfo para conseguir seu objetivo, seu sonho latente há anos em seu coração.
Nos dias seguintes, uma tempestade de tristeza invade os corações de quem habitava o interior do palácio. Os soluços ouvidos pelos corredores não pertenciam somente a Lassir, mas a quem havia convivido com aquela gravidez após o rapto.
- Como ela está? – a bela Rainha Gorgo observa Lassir ter o corpo protegido por algo mais quente.
- A minha Rainha está morrendo, senhora. Ela perdeu muito sangue no parto e sofreu demais com as duas mortes da menina Irani.
- Irani? Um nome persa?
- Eu tenho feito tudo o que aprendi, mas a minha rainha decidiu que não quer mais viver.
Gorgo olha para os lados e vê a outra criança deitada nos braços de uma serva bem jovem. Caminha até lá e apanha a menina em seus braços. Retorna com o bebê e vai deitar-se na mesma cama que Lassir, depositando a menina entre seus corpos.
- Lassir, meu amor, meu irmão, minha irmã...abra esses olhos lindos e veja quem está deitada conosco. É sua filha viva e ela precisa do calor de seu corpo, das batidas do seu coração e do leite que somente surgirá em seus seios, caso você permita que ela mame.
Silêncio.
- Ela ainda está aqui e deve ser o seu motivo para viver. Você precisa continuar conosco, porque há uma pequena vida que depende da sua força para continuar a jornada.
Silêncio.
- Estou implorando para que não saia desta vida, antes de ver sua filha lutando pela nossa pátria!
Silêncio.
Gorgo aproxima os lábios da orelha de Lassir e beija delicadamente o lóbulo. Sussurra:
- Irani ainda vive. Nós a poupamos porque ela é exclusivamente sua.
Lentamente, movimentos das pálpebras avisam que Lassir estava lutando para buscar forças em algum lugar escondido, dentro da alma. Duas safiras exibem-se para a admiração de Gorgo.
- Você precisa lutar, Lassir. Por você e por elas.