300: o outro lado da história
Capítulo Dezesseis
- Você sabia? – pergunta Lassir enquanto Pérola retira o leite de seu seio.
- No começo não. Depois, o Capitão contou-me e disse que revelaria a verdade me breve. Coube a mim, cuidar da senhora e de Yasmim sem contar a verdade ou morreria. Lembre-se sempre de que sou uma persa dentro do palácio real dos espartanos.
- Meu coração batia pela metade. Agora bate inteiro, porém não confio em Artemis. Como ele conseguiria esconder uma criança no palácio, sem o conhecimento de minha cunhada? Gorgo é astuta e inteligente.
- Os dois têm um acordo, certamente. É uma forma de manipular a senhora para que não fuja ou volte para o corcunda, minha rainha.
Lassir olha para o céu, enquanto Pérola limpava seus seios. A noite iria cair e a luz cheia viria majestosa no céu. Iria para o jardim das palmeiras e conversar com as sombras conforme havia combinado com Ephialtes.
Naquela madrugada, no silêncio dos adormecidos, Lassir esgueira-se pelas passagens que conhecia bem desde criança. Sabia como chegar a todos os cômodos do palácio sem ser seguido ou descoberto e naquele momento usaria seus conhecimentos.
- Não sei se está realmente entre as sombras, mas eu atendi ao seu pedido, Ephialtes. Não sei se foi apenas um poema o um enigma.
O som de uma risada rouca é a primeira resposta.
- Você é uma pessoa inteligente e leu a linguagem de meu corpo, minha doce Lassir.
- Estou com raiva de você, Ephialtes. Você se mostrou mentiroso e covarde.
- E quando fiz isso, minha rainha?
- Não me trate como se eu fosse mulher, sarnento! Você me abandonou no palácio de Xerxes, depois me roubou de lá para que os espartanos matassem minha filha.
- Não havia como saber que a menina nasceria defeituosa como o pai.
Lassir senta-se numa pedra grande e vê a sombra mover-se. Ephialtes sai das sombras e ajoelha-se diante da criatura belíssima.
- Eu estive o tempo todo ao seu lado e ouvi seus gritos durante o parto. Não menti para você em momento algum.
- Disse-me que Xerxes mataria minha filha diante dos espartanos numa batalha.
- E foi o que o próprio rei me disse! Ele tomou a irmã de Leônidas por esposa e depois mataria a filha dela diante dos olhos dos soldados espartanos. – ele apoia sua mão imensa no joelho de Lassir. – Eu não tinha para onde leva-la e então consegui a nossa fuga pelo mar em direção à sua família. Usei todo o meu tesouro que recebi de Xerxes.
Lassir sorri e mantém o queixo erguido.
- O Capitão Artemis foi ligeiro e aproveitou-se da situação de minha filha, para compelir-me a aceitar o casamento com ele. Enquanto eu for cordato, ele manterá minha filha em incógnita até enviar-me para Tessália. Estou nas mãos dele.
- Você? Duvido! Sei que dentro dessa cabecinha linda há um plano sendo arquitetado...
Lassir aperta a mão do corcunda.
- Você não é confiável, por isso quero uma prova de amor!
- Quantas provas você quiser, minha rainha.
- Você me contou que tinha dois segredos sobre Leônidas e que iria presentear Xerxes com eles. Um dos segredos era sobre a minha condição de "homem-mulher”... mas e o outro segredo...qual é?
Ephialtes sorri e começa a pressionar a carne da coxa de Lassir sob seus dedos fortes e tortos.
- O segredo provocará a morte de Leônidas.
- Somente dele?
- Não. Do exército inteiro e provavelmente a vitória de Xerxes.
Lassir levanta-se e afasta-se do corcunda.
- Hummm...Então não me diga o que irá fazer. Apenas faça e depois saberemos a consequência. E quando fizer, faça pensando no que vivemos.
Ephialtes aproxima-se da criatura e toca-lhe as costas, descendo seus dedos até a elevação das nádegas dela.
- Eu sinto a sua falta, Lassir. Deite-se comigo outra vez.
Lassir sorri e toca suavemente o rosto do seu corcunda.
- A noite está linda e quente. – senta-se no chão e convida Ephialtes a fazer o mesmo. – Sei que a vida depois desta noite não será a mesma.
- Perdoe-me, meu amor. Você pode ter perdoado seu irmão, mas eu não perdoarei Leônidas e os outros pelo seu sofrimento. Todos pagarão pela nossa humilhação e dor. – o corcunda solta o tecido da túnica que cobria um dos ombros de sua doce Lassir. Inclina-se e beija-lhe a pele macia e aromatizada pelas ervas. Mais uma vez seria o privilegiado em meio a tantos, a tocar aquela preciosidade espartana.
Duas manhãs depois daquele encontro, no palácio do rei Xerxes.
- Ora, ora, ora! Quando me disseram eu não acreditei! - o rei dourado aproxima-se do visitante. – Já lutei inúmeras batalhas, mas devo confessar que nunca enfrentei um adversário tão corajoso como você, Ephialtes!
O corcunda permanece com sua constante inexpressividade.
- Você se atreveu a querer entrar para o exército de Leônidas, mesmo com essa feiura e deformidade; depois se atreveu a exilar-se e unir-se a mim; coordenou a invasão ao palácio de Leônidas para raptar Lassir; ousou engravidar Lassir sob o meu teto; roubou Lassir de mim e a devolveu aos espartanos e agora está de volta ao meu palácio! Você é louco ou corajoso demais?
- Digamos que eu seja um homem que não tem perspectivas. Perdi tudo o que amava e quem amava. Não tenho mais medo de nada.
Xerxes olha-o com desprezo.
- Por que o senhor não se aproveitou da invasão ao palácio de Leônidas naquela ocasião e não tomou posse do lugar?
- O que me interessa nesta guerra é a cabeça de Leônidas em minhas mãos e o corpo dele crucificado numa estrada. – rosna o rei dourado. – De que me serve construções? Mesmo que eu usasse Gorgo como refém, o maldito Leônidas não cederia às minhas chantagens, como não cedeu quando tive a linda Lassir comigo.
Ephialtes concorda com um movimento de cabeça.
- Sem contar nas baixas que tive com aquela invasão. Preciso de algo mais valioso...- Xerxes inclina-se para encarar o corcunda. – Como está sua criança com Lassir?
- Uma nasceu saudável, mas a outra nasceu disforme.
O rei gargalha.
- Jogaram o bebê num precipício? Caso tivessem ficado comigo, a criança viveria! Eu faria questão de manter as crianças e a mãe vivas, apenas para provocar Leônidas. Eu sou bom!
- O Capitão da guarda pessoal manteve o bebê disforme vivo, apenas para obrigar Lassir a casar-se com ele, sob a autorização do rei.
- Ela é minha rainha. Não pode casar-se e sabe disso. – Xerxes afasta-se do visitante e o olha de soslaio. – Mas o que você perdeu em meu palácio?
Inspirando tranquilidade, Ephialtes encara o rei.
- Leônidas me humilhou uma vez, porém o que senti não doeu tanto quanto ao que Lassir sentiu quando a criança foi arrancada de seus braços, literalmente. Lassir lutou, mas perdeu. Durante dias ela sangrou quase à morte, porém ela é uma guerreira e por ela vim fazer o que é meu dever de homem e pai. Vou destruir Leônidas!
Xerxes gargalha debochado.
- E o que um saco de estrume como você, pode fazer contra o meu inimigo? Nem mesmo os meus melhores soldados conseguiram êxito!
- Não conseguiram êxito porque eles não sabem o que eu sei. Eu tenho a lâmina que cortará o véu de invisibilidade do exército de Leônidas.
O rosto do rei dourado torna-se sério e ele demonstra interesse.
- E o que você sabe, corcunda?
- Eu quero riqueza. O que eu possuía, usei para conseguir nossa fuga de barco até Esparta. Agora quero muito mais porque tenho de levar Lassir e as minhas filhas para fora daqui.
Xerxes ergue uma sobrancelha.
- Terá o que quiser, se me entregar essa tal lâmina.
- Eu levarei seu exército até o exato local onde o exército de Leônidas esconde-se. Há um estreito que os abriga depois das batalhas e ali eles curam seus feridos e traçam as estratégias para os próximos ataques. Sei exatamente onde fica e poderá toma-los de assalto, porque há uma trilha usada por pastores de cabras, e desse lugar, poderemos pegar os espartanos pela retaguarda.
Um sorriso perverso ilumina os lábios finos do rei dourado.
- E o que lhe dá garantias de que não mandarei alguém mata-lo, depois que revelar esse local?
- Nada. – Ephialtes dá de ombros. - Porém, eu sei que o senhor sabe recompensar seus protegidos e servos. É um risco que correrei, mas caso eu morra, morrerei feliz ao ver a derrota de Leônidas.
Um silêncio sepulcral desce sobre os dois homens. Por longos minutos apenas encaram-se.
- Lassir está linda?
- Ainda mais do que a última vez que o senhor a viu. Os cabelos estão mais longos e a pele mais viçosa depois do parto. Está ainda mais forte e tem leite em abundância para as meninas.
Xerxes sorri e por segundos fica pensativo.
- Vamos à nossa vitória sobre os “leões” do rei.
Um sorriso tímido e curto é resposta de Ephialtes.