300: o outro lado da história
Capítulo Vinte
Xerxes estava confiante com o que acreditava ser a vitória principal sobre os espartanos. Já comemorava sua conquista sobre novas terras e lá no fundo de sua alma soberba, comemorava a captura de Lassir para que retornasse a seu palácio.
Não era somente o desejo da conquista da Grécia que compelia as batidas do coração do persa. Ele queria conquistar aquela pessoa surgida em meio ao turbilhão de confrontos e conquistado sua razão e seu coração.
Mas como definir aquela pessoa? Um belo soldado de incrível porte militar? Uma linda mulher de olhos cor do céu da primavera? Um homem privilegiado pelos deuses para conhecer toda sorte de amor? Uma divindade caída dos templos dos deuses apenas para torturar a mente de homens e mulheres?
Não! Era apenas Lassir. Lassir em fúria, em ódio e em total esplendor de beleza! Lassir voltaria a transitar pelo palácio e traria junto a menina sobrevivente, que brincaria com os outros filhos do rei. Seria uma linda princesa, nascida de uma poderosa rainha de olhos cor de safira.
Que período maravilhoso! Estava regozijado com seu triunfo e a cabeça de Leônidas deveria ser preservada como o seu primeiro maior troféu, enquanto que o segundo troféu seria aquela fruta saborosa e pronta para a colheita: Lassir.
Ao término do inverno, colocaria seus navios com força total e mostraria todo o poder bélico dos persas sobre os ratos espartanos. E somente a ideia de um novo massacre enchia seu peito de vontade de gritar e rir. E gargalha muitas e muitas vezes.
Porém, os novos soldados convocados pelo belo mistério da natureza chamado Lassir, não compartilhavam do pensamento com o rei dourado. Xerxes imaginava-se como um deus, mas os espartanos sabiam que ele sangrava e que sangraria muito.
E antes que o inverno findasse com sua força e desse espaço para a entrada da primavera, Xerxes amarga a mais humilhante derrota em uma batalha balizada na inteligência e astúcia de estrategistas espartanos.
Muitas baixas de ambos os lados e entre os mortos, estava a rainha Gorgo. Em meio a tantos confrontos, nenhum soldado conseguia explicar quem e quando havia matado a bela e poderosa guerreira. O fato é que ela estava morta.
Desgostoso, revoltado e humilhado Xerxes decide deixar a Grécia e retornar para viver em ostracismo, todavia ele ainda não havia decidido desistir de conquistar a Grécia.
Mesmo comemorando a expulsão dos persas, os espartanos permanecem em alerta vivenciando pequenas batalhas na defesa do território. Muitas baixas e muitos feridos, mas a certeza de que Esparta seria eternamente respeitada e admirada como uma nação, encobria a dor das perdas.
Retornando ao palácio, Lassir reúne-se com conselheiros e senadores para delegarem autoridade a algum adulto, a fim de que o trono de Esparta não ficasse vazio. Plistarco ainda era um menino para herdar tamanha responsabilidade.
A primavera surge e vai embora dando espaço no trono para o verão. Outros e outros verões vem e vão, deixando quase uma década para trás.
Naquela noite, justamente na noite mais linda do ano, Xerxes decide esconder-se dos olhos dos deuses, buscando abrigo em seu aposento escuro e solitário. Nem mesmo a beleza daquela noite conseguia produzir risos e alegria na alma do rei dourado. Faltava uma joia em meio a tantas que enfeitavam seu corpo.
“Não, eu não consigo acreditar no que aconteceu
É um sonho meu, nada se acabou...
Não, é impossível e eu não consigo viver sem você.
Volte e venha ver, tudo em mim mudou...
Eu já não consigo mais viver dentro de mim.
E, e viver assim, é quase morrer.
Venha me dizer sorrindo que você brincou
E que ainda é meu, só meu, o seu amor...
Hoje, mais um dia de tristeza para mim restou
Nem o meu olhar, nada se alegrou.
Sinto-me perdido no vazio que você deixou.
Nada quero ser, já nem seu quem sou.”*
O som de passos suaves chega até os ouvidos do soberano depressivo. Poderia ser o servo eunuco, mas quem se interessaria por isso? Xerxes não se move até sentir o peso de dedos sobre seu ombro nu. Lento e moroso, ele se vira e depara-se com a visão mais linda diante de seus olhos. Apenas o arrebol tinha o poder de ser mais lindo!
Sem hesitar, o rei dourado abraça aquele corpo que se presenteava para ele. Sua rainha havia voltado, belíssima e soberana em seus traços maravilhosamente esculpidos.
- Você voltou...
- Voltei para crer nos boatos sobre o soberano rei triste.
Xerxes segura o rosto de Lassir entre as mãos.
- Você voltou para nosso povo, minha rainha?
Um sorriso debochado surge nos lábios bonitos e pequenos de Lassir.
- Sua vida não será igual, depois desta visita, meu rei.
Lento e carinhoso, o rei dourado acaricia os cabelos escuros de sua linda rainha. Por segundos, começam a retonar à sua mente as imagens das noites vividas com aquela flor de lótus. Cada toque, cada nuance na voz, os sons emitidos, os movimentos e, sobretudo, os olhares. Ah! Aquele olhar! Pedacinhos do céu para sempre presos naquele rosto bonito.
Xerxes volta à realidade e encontra dois belíssimos discos azuis voltados em sua direção. Brilhantes demais para serem humanos e semelhantes ao brilho da lâmina da adaga reluzente, que subitamente reflete a luz vinda da lua cheia. Uma adaga?
E foi a última imagem vista por Xerxes.